Adelaide não fazia questão de esconder a origem humilde. Mais do que isso. De vez em quando fazia questão de frisar que tinha nascido no meio da roça e que se fez “por si só”.
Conservava características ímpares. Após terminar uma refeição, nunca se intimidou em palitar os dentes. Andar pela rua com os cabelos enrolados em bobes, de longe, não era constrangimento algum. Volta e meia se pegava com as moças modernas e chiques que encontrava na cidade.
“Vocês são umas bestas. Umas bestinhas”, dizia.
Adelaide já passava dos 30 anos e sonhava com o príncipe encantado. Na verdade, já choramingava em frente ao espelho, sentindo-se velha.
“Uma titia. Fiquei pra titia. Ai meu Deus, me livre desse pesadelo”, repetia sempre.
Era uma tarde de domingo, ela chupava uma massa na praça da igreja matriz. Um carro novinho em folha, de repente, bate no famoso abacateiro. Levou um susto e pulou do banco. Correu pra ajudar. Dentro do veículo, o que a gente pode chamar de um homem garboso. Mesmo com o rosto coberto com sangue, percebeu que era um galã. Tinha traços bonitos.
“É ele. Eu tenho certeza. É ele”, suspirou.
No amontoado de curiosos, alguém tratou de pedir socorro, que chegou rápido.
“É parente?”, perguntou o policial.
“Namorada. Namorada”, respondeu sem titubear.
O moço, desacordado, foi levado numa maca. Adelaide segurou-lhe as mãos o quanto pode. Viu a ambulância partir. Por algum tempo, ficou desnorteada. Estralava os dedos, roía as unhas, andava de um lado pro outro. Lembrou da amiga Catarina. Do telefone público, pediu socorro.
“Me pegue aqui na praça. Preciso ir ao hospital. Venha, rápido. Por favor me ajude”, quase suplicou.
Catarina não demorou. Enquanto iam, a amiga tratou de sintonizar uma estação de rádio local. No meio da música, notícia de última hora.
“O socorro foi rápido. Mas Paulo Henrique de Souza não resistiu aos ferimentos. Da praça ao hospital, foram menos de 10 minutos. Lá, ele já chegou morto”.
Adelaide não acreditou no que acabara de ouvir. Lágrimas caíram e ela chorou compulsivamente. A música, na rádio, continuou.
“Nada mais importa agora
Você foi embora e eu fiquei tão só
Sigo, sem saber meu rumo
Eu não me acostumo sem você aqui
De que vale ter tudo na vida
De que vale a beleza da flor
Se eu não tenho mais teu carinho
Se eu não sinto mais teu calor”.