A gente sempre espera que os sinos toquem. Desejamos ver as estrelas, sentir frio na barriga. Era inverno em Curitiba, eu e o Beto assistíamos Mulheres Apaixonadas, quando o Theo (Tony Ramos) levava um pé na bunda da Helena (Christiane Torloni).
O texto, de Manoel Carlos, não me sai da memória. Theo falava da dor da separação com uma explicação bem óbvia: quando uma relação começa é bonito porque os dois querem. E geralmente,na separação, apenas um quer. A balança fica fora de prumo. E por isso dói.
Anos atrás, a Raquel Rodrigues produziu um Paraná Repórter sobre o casamento. A Phoenix (produtora) encontrou um casal de velhinhos que morava em Ibiporã e estava casado há mais de 60 anos. Gente muito simples. Na entrevista bruta, o homem disse assim: Filha, o amor existe aqui (apontando a cabeça) e não aqui (apontando o coração). Aqui (na cabeça) vem a calma. Já aqui (no coração), paixão, pressa, sofreguidão. Eu não posso mais viver sem ela. Mas sem falatório, sem correria. O amor acalma.
No Banco do Brasil, tomava café com uma colega e perguntei-lhe se ela era feliz. De bate pronto ela respondeu que sim. E o casamento? – Ótimo, respondeu enfática. Você é apaixonada? – Nunca fui. Por isso deu certo. A paixão só machuca a gente. Nunca fui apaixonada por ele, mas também nunca amei alguém como ele.
O que essas quatro histórias têm em comum? Arrisco a dizer que uma visão madura do que é o amor. O tempo vai passando, e cada vez tenho mais certeza de que a paixonite só faz estragos. Vários dos meus amigos, eu inclusive, já ouviram essas “explicações” ao término de uma pretensa relação: não ouvi os sinos tocarem, as estrelas não brilharam diferente, não sinto frio na barriga, você é a pessoa certa na hora errada, não é o momento, eu tenho medo.
Não se ama o desconhecido. Ama-se o ronronar na hora de dormir. Ama-se o experimentar a comida do outro, ama-se ao discutir o preço de produtos no supermercado. Ama-se na percepção das impotências, ama-se na disposição de enfrentar juntos as dificuldades. Ama-se no mau humor do acordar, ama-se na irritação no trânsito, ama-se na surpresa no meio da tarde. Ama-se naquele bilhete inesperado, ama-se ao não deixar os corações de metal irem para o ralo.
Eu imagino que sinos, estrelas e frio na barriga não passam de conversa mole. Desculpas para adiar a possibilidade do real. E se de repente der certo? E se de repente eu for feliz? E se de repente for amor de verdade? Daí não haverá mais nada a lamentar? Não haverá posts a serem escritos? Não haverá amanhã? Duvido. Somos paradoxais por essência. Queremos, mas negamos. Sonhamos, mas receamos. Fugimos quando queríamos ficar. Temos medo de abrir a porta. Duvidamos que podemos ser felizes.
A retina dos olhos forçam a observar o tempo de outra forma. Que droga esta nossa incansável mania de adiar tudo para o amanhã. Enquanto esperamos os sinos tocarem, perdemos a composição musical. Se esperamos pelas estrelas, esquecemos o sol, a lua, o dia, a noite. Se desejamos o frio na barriga, abandonamos o aconchego do abraço. Enfim, perdemos.
Talvez devêssemos ter apenas um pouco mais de urgência de viver. Sofrer será inevitável mesmo, portanto, é o aqui e o agora o que importa. Até para lá na frente, poder olhar pra trás e dizer: eu vivi. Arrepender-se do que fez, nunca pelo que deixou passar. A dor é inerente. O abandono não.